16/04/2011

Désirée de Lille

"O demônio de Lille" era a descrição que mais corria entre as bocas que pertenciam a cidade francesa batizada pelo mesmo último nome. A mulher conhecida como aquela que despedaça corações, que deixa um rastro muito peculiar de perfume e destruição provenientes de sua luxúria e bel prazer, aquela que encanta e que atira no abismo, tal qual um diabo, deveria ser condenada.. Subia as escadas de seu retiro particular, não a casa, pois não havia, mas o quarto, o que cheirava a pout-pourri e perfumes caros do bordel mais conhecido da cidade. Lá dentro uma enorme cama em tons românticos tomava o maior espaço do cômodo. O quarto inteiro deixava pairar, além das delícias cheirosas, um ar que refletia puramente o século XIX. Lille deixava-se respirar profundamente, o peito erguia-se e logo retesava-se de volta a manter a postura da mulher a mais impecável. Retirou um cachecol de pele de raposa de sobre os ombros, deixando-o cuidadosamente empoleirado ao encosto da cadeira onde Désirée se sentava agora, de frente a penteadeira lustrosa, chique, talhada em madeira e ouro. Ela contemplava-se através do reflexo. Sorria-lhe, a si mesma. Estava magnifíca, se sentia orgulhosa. Era uma puta de classe, como todas deveriam ser.. Carregava o rosto de uma maquiagem estupidamente forte. Os lábios coravam-se de sangue, os olhos claros como o céu de dia eram delineados em curvas negras marcantes, como seu corpo se definia, possuía as mesmas qualidades. A pele branquíssima das faces eram cobertas por um pó róseo, a pinta única sob o olho esquerdo dava-lhe um ar de poder, sedução. Os homens cairiam a seus pés facilmente, tal qual um tronco podre de árvore.. Vestia-se sublimemente, um corpete listrado verticalmente em vermelho e preto, avolumando seus já fartos seios, deixando as torneadas pernas a mostra. Os cabelos de um breu eterno, pareciam carregar estrelas em todo seu comprimento, mesmo que agora amarrados em um coque sofisticado e atraente. Os saltos eram postos sob as solas dos pés, algo que, como a roupa, se poderia ser retirado, até arrancado, rasgado, com facilidade. Perfumou-se em abundância, o cheiro do quarto já estava se tornando insuportável. Observou-se, se endeusou perante o reflexo em ouro.

- Só mais uma noite, meu bem.. e será o fim. Dissera antes que uma lágrima descesse pelo olho esquerdo e desmanchasse a pinta tão bem marcada.

Contivera-se e após descer a escada, levou um pobre homem a sarjeta.. condenava-o como a ela. Era o que mereciam, todos eles..
 

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